Sweet Depression

É doce, é uma pressão constante... O blog de uma artista cronicamente deprimida... ou simplesmente deprimente. The blog of a depressive and depressing artist.

3/14/2004

A Paixão



Ontem fui ver "A Paixão de Cristo".
Estava cheia de curiosidade de verificar tanto a qualidade, como as razões que o filme apresenta para todo o alarido que os judeus têm feito.

Não vi nada de errado. Apenas mais um filme sobre a vida de Cristo, como centenas de filmes que já vi - sim, daqueles filmes que a TVI nos impinge no Natal e na Páscoa, além do "Ben-Hur" e do "Quo Vadis" e d'"Os Dez Mandamentos", que mesmo assim papo todos os anos.
"A Paixão de Cristo" é simplesmente mais realista - bem, é uma afirmação um pouco arriscada, visto que nenhuma testemunha do episódio está viva para contar. Mas é realista no sentido de ter cenas mais cruas e psicologicamente violentas.
Tem uma óptima direcção de fotografia. O meus parabéns a Caleb Deschanel.
O facto de ser falado em Aramaico e Latim (línguas que já não se falam) fez com que houvesse uma aposta maior na interpretação. Os meus parabéns aos actores, principalmente a Jim Caviezel (Jesus) e Maia Morgenstern (Maria) que mostraram ter uma grande memória afectiva. Se bem que o papel exigiu muito mais do que memória afectiva.
Excelente caracterização especial. Os meus parabéns a Keith Vanderlaan.
Estou apaixonada pela banda sonora. Parabéns a John Debney.
Ah, e Rosalinda Calentano interpretou o Satanás mais original que já vi.
Aponto, no entanto, o mesmo erro em quem caem todos os filmes sobre Cristo. Os judeus do século I eram caucasianos? Porque é que Jesus tinha os olhos castanhos claros? Bolas, até lhe consegui ver as lentes de contacto! E porque carga d'água é que tinha de ser bonito?

Back to the subject, não vi anti-semitismo nenhum no filme. Se todos os filmes sobre a Paixão de Cristo têm uma determinada perspectiva, essa é, certamente, a dos apoiantes de Jesus. No entanto, não deixam de relatar episódios que aconteceram.
Toda a gente sabe que foram judeus que mandaram crucificar Jesus, não há novidade nisso. A multidão e os sacerdotes não pediram a crucifixão com euforia? Não pediram que soltassem Barrabás em vez de Jesus? Pilatos não lavou as suas mãos? E então?
Mesmo que o objectivo do filme fosse falar contra os Judeus que O mandaram matar - que não é, de todo - que têm os judeus de agora a ver com isso? Sejam ou não os judeus do século I responsáveis pela morte de Cristo, os de agora não têm culpa nenhuma, nem há razões para culpá-los, portanto não têm de se sentir ofendidos ou acusados. Acho que estão a vitimizar-se desnecessariamente. O holocausto aconteceu há mais de meio século, get over it. Não odeiam todos os alemães, pois não?
Imaginem agora os católicos a fazerem-se de coitadinhos e ostracizados só porque lhes atiram à cara as Cruzadas e a Inquisição. Sim, foram actos abomináveis. Mas os católicos de agora têm alguma culpa disso? O pobre do Papa tem alguma culpa disso, mesmo tendo-se ajoelhado perante o mundo para pedir perdão pelos pecados de antecessores seus?
Por essa ordem de ideias, os Portugueses deveriam ter vergonha de ser quem são, por um passado de escravatura, chacina de índios, despotismo...

Tipo, duh... que mal é que o flime tem, além de violência extra que pode ferir a sensibilidade dos mais incautos? Não acredito que alguém fique com ódio aos judeus só por ver o filme. Se assim fosse, deviam também tentar boicotar a programação da TVI na Páscoa, ou mesmo a venda de Bíblias.
Contra factos não há argumentos e fazer referência à influência dos judeus na morte de Cristo não significa condenar todos os judeus. Muito menos os da actualidade. É impossível a um cristão odiar os judeus, por duas razões:
- O próprio JC era judeu;
- Se não fossem os Judeus, Pilatos não teria feito nada e o Cristianismo não teria sentido nenhum.
Por isso até devem agradecer aos judeus.

E sabem que mais? Quem passa uma imagem mais asquerosa em "A Paixão de Cristo" são os romanos. Os judeus tinham razões para odiar Jesus. Afinal, eles sentiam-se moralmente lesados pelas "loucuras" que Ele veio ensinar - sábias loucuras, devo dizer.
Os romanos adoravam Júpiter, Minerva, Diana e afins. Estavam-se nas tintas para o Deus Javé ou o que sobre Ele se ensinava nas sinagogas. As loucuras de Cristo deixavam-nos indiferentes. No entanto, os centuriões do filme divertiam-se de forma reprovável com o sofrimento de um inocente que não os tinha ofendido em momento algum. Manietavam-nO com um gozo assustador e animalesco.
Ainda assim, não odeio os italianos. Continuo a ter por eles, o seu país e a sua cultura o mesmo fascínio que sempre tive. E não acredito que algum cristão os deteste por isso, até porque é na Itália que está sediada a principal igreja cristã - a Católica Apostólica Romana, claro está.

Os judeus não têm nada de se fazer de vítimas só porque são uma minoria em todos os países do Ocidente. A melhor maneira de nos integrarmos e tornamos efectivamente iguais aos outros é superarmo-los, é mostrar o nosso verdadeiro valor e não mostrar nossas fraquezas, evidenciar aquilo que nos diminui. Isto aprendi eu com o meu pai e tenho tentado pô-lo em prática ao longo da minha vida.

"A Paixão de Cristo" não é um filme sobre a crueldade judaica contra um revolucionário. É um filme sobre a coragem, a entrega, o amor incondicional, o perdão e, no fundo, sobre o sofrimento. Afinal, paixão significa sofrimento.

Por isso é que ainda sofro. Porque insistes em ser a minha cruz? Quando sais tu do meu pensamento?