Sweet Depression

É doce, é uma pressão constante... O blog de uma artista cronicamente deprimida... ou simplesmente deprimente. The blog of a depressive and depressing artist.

2/04/2004

Os benefícios do trabalho

O trabalho faz um bem enorme às pessoas.
Eu não gosto nada de trabalhar; sou uma preguiçosa incorrigível, mas quando tenho de fazer, faço. E depois de fazer, sinto-me melhor.
O trabalho faz-me mesmo bem ao espírito.
Organiza-me as ideias, ameniza os meus pensamentos... E eles não têm sido nada amenos...
Ainda bem que hoje trabalhei.

Depois de usar o poder da palavra para ferir uma certa pessoa, depois de ter escrito um rol de pontos negativos sobre ela, pus-me a pensar: "Então porque raio passaste tanto tempo com essa pessoa?"
Pela mente, num ritmo veloz, passaram-me as coisas que disse com a cabeça quente e o espírito ferido. Acho que há coisas que não era necessário ter dito. Faltou imenso termos uma séria conversa.

Depois quedei-me com mais calma sobre algumas recordações...

Sim, esta pessoa fez-me muito mal, mas não posso negar que me proporcionou bons momentos.
Lembro-me do seu cabelo de ébano...
Dos seus olhos quentes e doces, capazes de encantar a mais gélida das feiticeiras...
Das suas mãos largas e calorosas, capazes de envolver todo um corpo num só gesto...
As suas massagens... divinas!
Do seu sorriso - apenas o primeiro que vi na sua face - que transfigurava completamente todo o seu ser...
E aquelas covinhas, adoráveis! - mais pronunciada a direita do que a esquerda...
Das suas carícias, nos dias em que estava mais terno e inspirado...
Das suas divagações filosóficas, que sempre me questionei de onde surgiam, mas que me divertiam sempre...
Lembro-me das discussões absurdas que tínhamos sobre assuntos completamente descabidos... que minutos mais tarde nos faziam rir e unir os nossos lábios num beijo...
Os seus beijos... Ele beija tão bem!
E de como usava e abusava da palavra "índole", não sei porque razão...
Lembro-me da sua barba a roçar-me o rosto, num delicioso incómodo...
Lembro-me de nós dois, a observar o cair da noite, a ouvir o som apelativo e sensual de Sade (nunca mais vou ouvir as suas músicas da mesma maneira com outra pessoa).
Lembro-me de, depois do amor, ficar encostada ao seu coração, a ouvir o seu pulsar e interrogar-me se a minha imagem estava presente nos seus sonhos...
Lembro-me das suas palavras de elogio - que afinal não eram inéditas nem exclusivas - sobre a minha beleza, a minha inteligência, a minha sensibilidade...

Pergunto-me se ele gostou tanto quanto eu desses momentos, que me pareciam tão agradáveis para ambos. Questiono-me se, mesmo usando-me, ele nunca sentiu momentos de felicidade plena ao meu lado. E será que ele lamenta tanto quanto eu que tudo isso tenha deixado de existir? Será que alguma vez ele viu em mim o valor que outras podem ter para ele? Será que algum dia poderei saber?
É uma pena que isso se tenha perdido porque os seus defeitos abafaram as suas virtudes.
É uma pena que a minha confiança tenha ficado tão ferida.
Será que algum dia poderei curá-la?

Uma coisa que constatei hoje é que, quando damos muito a uma pessoa e, por um motivo ou outro nos separamos dela, ficamos, durante um tempo, incapacitados de nos ligarmos a outra. Porque o que tínhamos a dar já está com a pessoa que deixámos; ficamos desprovidos de dádivas para mais alguém. Leva o seu tempo até que renovemos o stock de dádivas para essa ou outra pessoa. Leva o seu tempo até suturar todas as feridas. Às vezes o grande problema das reconciliações falhadas é não terem tido o seu tempo de amadurecimento... Às vezes...

Até é bom esperar.